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22.01.2020
Economista campinense analisa os serviços de água e esgotos em Campina Grande e destaca subsídio cruzado

Confira abaixo artigo do economista Arlindo Almeida, publicado originalmente no site www.paraibaonline.com.br

Em todo o mundo não é frequente a existência de grandes aglomerações humanas, onde ocorrem trocas sociais, comerciais, culturais, administrativas, educacionais, entre outras, em locais distantes de mananciais de água. As fontes de água, geralmente rios, grandes lagos ou lençóis subterrâneos, são indispensáveis à vida das cidades.

Campina Grande é uma das exceções à regra, conseguindo se desenvolver mesmo ante à notória dificuldade de captação de água. Mas, até quando isso vai durar?

No geral, os complexos sistemas de abastecimento de água devem obedecer a princípios de variadas ordens, envolvendo abordagem técnica minuciosa, sem nunca perder de vista os profundos interesses sociais envolvidos.

Todos sabemos da verdadeira epopeia que tem sido o suprimento de água em Campina Grande, começando pelo uso da água do Açude Velho e do Riacho das Piabas, do Açude de Bodocongó, etc. Em tempos mais recentes,  Vaca Brava e, hoje, Boqueirão, com a empresa estadual CAGEPA como exploradora do sistema, sob concessão do município. Boqueirão não fornece apenas para Campina Grande, mas para um conjunto importante de municípios próximos.

A tese da titularidade municipal dos serviços de saneamento básico resulta de interpretação do art. 30, inc. V da Constituição Federal, segundo o qual “compete aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial“. O entendimento de que o saneamento básico constituiria “serviço público de interesse local“, portanto, conduzia boa parte da doutrina e da jurisprudência a sustentar sua titularidade municipal. ”

As tarifas cobradas pela CAGEPA em todo o Estado, obedecem a uma ordem denominada de subsídio cruzado, que significa um preço médio  no qual o cidadão de Campina Grande ou João Pessoa paga mais, subsidiando os consumidores dos menores municípios. Eis aí o primeiro problema. Saindo Campina Grande e, imaginando que o mesmo aconteça em João Pessoa, não há dúvida quanto a elevação da tarifa para as demais cidades e o comprometimento severo de tudo o que foi feito nos últimos 40/50 anos. Um caos, enfim.

Não se discute a  legitimidade da pretensão da Prefeitura de Campina Grande de retomar o comando  dos serviços de água e esgotos no município, transferido-os, mediante concessão remunerada,  precedida de processo de licitação, a uma empresa operadora.

A questão é muito delicada, necessitando de bom senso, na sua condução. Afinal não se trata de uma questão meramente político-partidária, entre  Governo do Estado/CAGEPA e Prefeitura Municipal. As paixões devem ser deixadas de lado.

Como complicador, temos projeto de Lei tramitando no Congresso Nacional tratando da matéria

“A Comissão Especial do Projeto de Lei nº 3.261/2019 aprovou, por 21 votos a 13, o relatório do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP). Com a decisão, o chamado Novo Marco Legal do Saneamento será encaminhado para análise e aprovação de todos os deputados federais em Plenário. O texto aprovado, entre outros pontos, coloca a ANA como agência responsável pela emissão das normas gerais de referência para o setor, privilegia a iniciativa privada na prestação dos serviços de saneamento e proíbe contratos de programa firmados entre municípios e empresas estaduais. ”

Não é pelo fato do inegável direito da Prefeitura que se deixe de considerar os serviços prestados pela CAGEPA ao longo do tempo. A CAGEPA tem expertise, tem quadro técnico altamente qualificado, embora os investimentos realizados em Campina Grande tenham ficado aquém do necessário.

No afã como o problema está sendo colocado, em ano de eleições, pode induzir a interpretações equivocadas. Não foram colocados os argumentos técnicos que possam ambasar a decisão da Prefeitura.

Assim, alguns passos são sugeridos na condução do processo, que resumidamente podem ser.

Existe algum estudo preliminar ou termo de referência  em que fique clara a exequibilidade do projeto? Foi realizado um estudo de viabilidade econômica com assistência de pessoas qualificadas? Foi construído um marco regulatório com regras de operação?

Qual o órgão da Prefeitura que  fiscalizará a atuação do operador vitorioso na licitação?

O que esperar da ANA, cuja atuação em âmbito nacional ainda deixa muito a desejar?

O que significam os passos apontados acima?

ESTUDO PRELIMINAR

Não sabemos se a Prefeitura realizou avaliação prévia do que é necessário fazer para melhorar os serviços, garantido uma cobertura elevada no abastecimento de água, coleta, tratamento dos esgotos e sua destinação. Afinal, não se trata apenas de retomar os serviços e passar para outrem.

ESTUDO DE VIABILIDADE ECONÔMICA

A fase seguinte é avaliar os investimentos necessários à melhoria dos serviços e se os resultados  garantem uma remuneração adequada ao ganhador da licitação, além do valor pago a título de concessão.  É necessário, ainda, determinar o valor da tarifa.

MARCO REGULATÓRIO

É um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestam serviços de utilidade pública.  Nele são estabelecidos critérios rígidos para garantir a continuidade, a qualidade e a confiabilidade dos serviços prestados à população. Qual órgão da Prefeitura que vai cuidar da regulação?  A regulação é sempre feita por um organismo independente com condições de defender os interesses dos cidadãos, do governo e das empresas concessionárias que obtiveram o direito de explorar o setor. Vamos depender da ANA? O marco regulatório é responsável pela criação de um ambiente que concilie a saúde econômico-financeira das empresas com as exigências e as expectativas do mercado consumidor. A criação de um marco regulatório claro e bem concebido é fundamental para estimular a confiança de investidores e consumidores e para o bom andamento do setor.

Essas e outras questões precisam vir à tona.

Seria possível, mesmo com o Projeto de Lei em discussão na Câmara Federal, um entendimento entre Prefeitura e Governo do Estado?

Talvez fosse o mais prudente.

Fonte: artigo publicado no site www.paraibaonline.com.br

 

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